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BIBLICO HISTORICO 06-Os
caminhos historicos da Reforma Protestante
A
Reforma protestante, embora amplamente preparada, surgiu na história quase de
repente;
parecia tratar-se, a princípio, de uma questão pessoal e
puramente
religiosa
do frade Martinho Lutero, mas, dado o clima em que ressoou, tomou vastas
proporções eclesiásticas e políticas, que
ninguém imaginava. Infelizmente a obra de
Lutero
não se tornou aquilo que, havia muito, o povo e os príncipes cristãos
esperavam
a renovação da Igreja pela eliminação dos abusos,
sem alteração da fé e
da
constituição da Igreja; veio a ser uma revolução eclesiástica e um
cisma. -
Estudemos
os fatos.
Lutero: evolução das idéias
Martinho
Lutero nasceu aos 10/11/1483 em Eisleben (Sachsen). Teve infância dura,
sujeita,
em casa e na escola, a disciplina severa. A partir de 1501, na Universidade
de
Erfurt estudou a filosofia nominalista de occam, com tendência antimetafísica e
relativista;
tal sistema dissolvia a harmonia entre a ciência e a fé, pois tinha as
verdades
da fé como irracionais ou impenetráveis à razão; a Moral se fundaria
unicamente
na livre vontade de Deus.
Certa
vez, a caminho da Universidade (02/07/1505), foi quase fulminado por um
raio;
em conseqüência, fez o voto de entrar no convento
(Hilf, St. Anna, ich will ein
Mönch werden! -
Ajuda, St’ Ana, quero tornar-me um monge!). Esta
decisão era
fruto
do temperamento escrupuloso e pessimista de Lutero, que receava o juízo de,
Deus
sobre os seus pecados (Lutero muito se preocupava com a sua fraqueza e os
seus
pecados, que o deixavam inquieto).
Em
julho de 1505, a revelia do pai e dos amigos, Lutero entrou no convento dos
Agostinianos
de Erfurt. Em 1507 foi ordenado presbítero, Em 1510 ou 1511 passou
quatro
semanas em Roma, onde conheceu a vida da Cúria e a exuberância das
devoções populares.
Isto tudo, porém: no momento não o
impressionou muito nem
abalou
a sua fidelidade à lgreja. Foi nomeado professor de S.
Escritura em
Wittenberg.
Vivia, porém, inquieto ao pensar na sua
fragilidade moral e nos
insondáveis juízos de Deus;
jejuava, praticava vigílias de oração, mas sem
conseguir
paz.
o contato com as epístolas de S. Paulo (especialmente aos
Romanos e aos
Gálatas) foi-lhe
oferecendo uma solução: viu que não se devia
importar tanto com
aquilo
que fazia ou deixava de fazer, e precisava de ficar firme na fé confiança em
Jesus
Salvador; afinal, dizia ele, é a fé, e não as obras boas, que salvam o homem.
Este
foi totalmente corrompido pelo pecado original e aí pode senão pecar; o
livre
arbítrio está vendido ao
pecado; não se pode apelar para ele. De resto, a
concupiscência
desregrada, que é o próprio pecado, é inextinguível no homem. Só
Ihe
resta confiar (ter fé) nos méritos de Cristo, porque ninguém tem mérito próprio.
Quando
Deus declara o homem justo ou reto, não Ihe está apagando os pecados,
mas
apenas resolve não os imputar, cobrindo-os com o manto
da justiça ou da
santidade
de Cristo. Lutero baseava-se especialmente em Rm 1,17; GI
3,12.22...textos
lidos é luz das obras de S.Agostinho, que se
revelara pessimista em
relação a natureza
humana; cf. capítulo. 13
Tal
doutrina passou a ser o "Evangelho" de Lutero. Implicava autêntica revolução
dentro
do Cristianismo. Lutero havia de lhe associar outras teses, a saber: a rejeição
dos
sacramentos, do sacerdócio ministerial, do sacrifício da Missa,
da hierarquia,
enfim...
de tudo aquilo que fazia a vida da lgreja Católica.
As indulgências
Lutero
era, pois, professor de S. Escritura em Wittenberg, quando surgiu a questão
das
indulgências.
Antes
de continuar a história do frade agostiniano, compete-nos
explicar o que
sejam
indulgências. Observemos o seguinte:
1)
Todo pecado acarreta consigo a necessidade da expiação depois de ter
sido
perdoado.
Com outras palavras:
O
pecado não é somente a transgressão de uma lei,
mas é a violação de uma ordem
de
coisas estabelecida pelo Criador; é sempre um dano infligido tanto ao indivíduo
que
peca, como à comunidade dos homens. Por conseguinte,
para que haja plena
remissão do pecado, não somente é necessário que o
pecador obtenha de Deus o
perdão, mas
requer-se também que repare a ordem violada. Assim,
por analogia,
quem
rouba um relógio violando a ordem da propriedade, não precisa
apenas de
pedir
perdão a quem foi prejudicado, mas deve também restaurar a ordem ou
devolver
o relógio ao respectivo proprietário A reparação da ordem há de ser sempre
dolorosa,
pois significa mortificação do velho homem pecador ou das
concupiscências
desregradas
que o pecado só faz aguçar.
A
própria S. Escritura atesta tal doutrina. Por exemplo, Davi recebeu o
perdão dos
pecados
de homicídio e adultério mas teve
que sofrer a pena de perder o filho do
adultério (cf. 2Sm
12,13 s). Moisés e Aarão foram privados de entrar na Terra
prometida,
embora a sua culpa Ihes tenha sido perdoada (cf. Nm 20,12; 27,12-14;
Dt
34,4s). Ver também Tb 4,11s; Dn 4,24; JI 2,12s.
2)
Consciente disto, a lgreja antiga ministrava a reconciliação dos pecadores
em
duas
fases. Sim, o pecador confessava seus pecados a um ministro de Deus. Este
não o absolvia
imediatamente (cf. Jo 20,20-22), mas impunha-lhe uma satisfação
adequada,
correspondente é gravidade das suas faltas; este exercício de penitência
devia
proporcionar ao cristão o domínio sobre si, a vitória sobre as
paixões e a
liberdade
interior. A satisfação assim imposta, pode ser realmente
medicinal,
costumava
ser penosa: assim, por exemplo, uma quaresma de jejum, em que o
penitente
se vestia de peles de animais (para praticar tal penitência, o cristão tinha
que
excitar dentro de si um vivo amor a Deus e um profundo horror do pecado).
Somente
depois de terminar a respectiva satisfação, era o pecador absolvido.
Julgava-se
então que estava isento não apenas da culpa, mas também de toda
expiação devida aos
seus pecados; estaria livre não só da culpa do pecado, mas
também das raízes e das
conseqüências deste.
Esta
prática penitencial conservou-se até fins do século VI. Tornou-se, porém,
insustentável, pois
exigia especiais condições de saúde e acarretava conseqüências
perigosas
para todo o resto da vida de quem a ela se submetera. Eis por que aos
poucos
foi sendo modificada.
3)
No século IX a Igreja julgou oportuno substituir certas obras penitenciais
muito
rigorosas
por outras mais brandas; a estas a Igreja associava os méritos
satisfatórios de Cristo,
num gesto de indulgência. Tais obras foram chamadas
"obras
indulgenciadas",
porque enriquecidas de indulgências: podiam ser assim
indulgenciadas
orações, esmolas, peregrinações...
Está claro, porém, que estas
obras mais brandas enriquecidas pelos méritos de
Cristo
só tinham valor satisfatório se fossem praticadas com as disposições interiores
que
animavam os penitentes da lgreja antiga a prestar uma quarentena de jejum ou
outras
obras rigorosas. Não bastava, pois, rezar uma oração ou dar uma
esmola
para
se libertar das conseqüências do pecado, mas era preciso fazê-Io com o amor
a
Deus
e o repúdio ao pecado que encorajavam os
penitentes da Igreja Antiga. Vê-se,
pois,
que era e é muito difícil ganhar indulgências.
Mais:
ninguém podia (ou pode) ganhar indulgência sem que tivesse (ou tenha)
anteriormente
confessado as suas faltas e houvesse (ou haja) recebido o perdão das
mesmas.
A instituição das indulgências não tinha em
vista apagar os pecados, mas
contribuir
(mediante a provocação de um ato de grande amor) para
eliminar as
conseqüências ou os
resquícios do pecado.
Por
conseguinte, a Igreja nunca vendeu o perdão dos pecados nem vendeu
indulgências. o perdão dos pecados
sempre foi pré-requisito para as indulgências.
Quando
a Igreja indulgenciava a prática de esmolas, não tencionava
dizer que o
dinheiro
produz efeitos mágicos, mas queria apenas estimular a
caridade ou as
disposições íntimas do cristão para que
conseguisse libertar-se das escórias
remanescentes
do pecado. Não há dúvida, porém, de que pregadores populares e
muitos
fiéis cristãos dos séculos XV e XVI usaram de linguagem
inadequada ou
errônea ao falar de
indulgências. Foi o que deu ocasião aos protestos
de Lutero e dos
reformadores.
4)
As indulgências podem ser adquiridas também em favor das
almas do purgatório.
Estas
precisam de se libertar das escórias dos pecados com as quais deixaram
a vida
presente;
para tanto, necessitam da grata de Deus, que os fiéis viventes
neste
mundo
podem solicitar mediante a prática de boas obras indulgenciadas.
Todos os
fiéis que foram
enxertados em Cristo pelo Batismo e vivem em plena comunhão com
a
Igreja, constituem uma grande família, solidária e unida em
si pela caridade. Em
conseqüência, os méritos de uns
redundam em benefício de outros; os atos
satisfatórios que as
almas retas prestam a Deus, podem auxiliar a outros cristãos,
que
precisem de expiar, seja aqui na terra, seja no purgatório. Em outros
termos:
pelas
nossas preces, pelas nossas boas obras e pelos nossos atos de mortificação,
unidos
aos méritos de Cristo, podemos ser úteis não só a nós mesmos, mas também
aos
nossos irmãos, que devem prestar satisfação a Deus por
seus pecados. esta
solidariedade
que se chama "Comunhão dos Santos". Esta expressão designa a
comunhão de bens
espirituais ou de coisas santas segundo a qual vivem os filhos da
Igreja.
"Uma alma que se eleva (que se enriquece de Deus), eleva o mundo
inteiro"
(Elizabeth
Leseur).
Eis
como se deve entender a prática das indulgências, até hoje
recomendada pela S.
Igreja,
mas freqüentemente mal entendida.
Lutero e as indulgências
Voltemos
agora à história de Lutero.
A
fim de custear a construção da nova basílica de S.
Pedro em Roma, Júlio II em
1507
e Leão X em 1514 promulgaram indulgência plenária para qualquer cristão que
recebesse
os sacramentos e desse esmola. Foi nomeado Comissário da indulgência
para
grande parte da Alemanha em 1515 o jovem príncipe Alberto de Brandenburgo,
desde
1513 arcebispo de Magdeburgo e administrador do bispado de Halberstadt,
desde
1514 também arcebispo de Mogúncia. Alberto
era homem frívolo e mundano;
contraíra uma dívida de 29.000
florins com os banqueiros Fugger de Augsburgo a fim
de
pagar as taxas de vidas à Santa Sé por estar acumulando três bispados; então,
de
acordo com os representantes papais, resolveu que metade das esmolas
indulgenciadas
ficaria para a construção da basílica de São Pedro, enquanto a outra
metade
serviria para saldar a dívida junto aos banqueiros.
Ora
na Alemanha já reinava prevenção contra as
indulgências por causa de abusos
de
oficiais eclesiásticos. O pregador de indulgências nomeado
por Alberto, o
dominicano
João Tetzel, incorria também ele nesses abusos: afirmava que, para
adquirir
a indulgência em favor dos defuntos, bastava a
esmola sem o estado de
graça do doador (o
que era errôneo). Quando, certa vez, Tetzel perto
de Wittenberg
pregava,
Lutero resolveu insurgir-se contra o pregador: na tarde de 31/10/1517, à
porta
da igreja de Wittenberg afixou, conforme o costume das disputas acadêmicas,
uma
lista de 95 teses em latim sobre as indulgências e pontos conexos (a culpa, a
pena,
a penitência, o purgatório, o primado
papal). A intenção de Lutero era apenas
a
de combater abusos e por em clara luz a doutrina ortodoxa; na realidade, porém,
as
suas teses significavam a rejeição não somente das indulgências, mas também do
ministério da lgreja
em prol da salvação dos homens. Entre outras coisas, o
frade
agostiniano
afirmava:
1)
o Papa só pode perdoar penas que ele mesmo,
conforme o seu juízo ou conforme
as
leis eclesiásticas, tenha imposto (tese 5);
2)
as indulgências não podem ser aplicadas às almas no purgatório (tese 8 a
29);
3)
a verdadeira contrição, sem decreto de indulgências, confere
ao cristão plena
remissão do pecado e
da culpa (teses 36 e 37);
4)
à Igreja hierárquica, na remissão das culpas,
toca apenas uma função
declaratória, isto é, a Igreja apenas
pode reconhecer que o penitente já foi
diretamente
perdoado por Deus no seu íntimo em virtude do seu arrependimento;
Ela
não transmite o perdão de Deus (teses 6 e 7);
5)
Lutero negava o tesouro de graças de Cristo e dos Santos (o assim
chamado
"tesouro
da lgreja"), que é o pressuposto da doutrina das indulgências (tese
58).
Nesta
lista de Wittenberg, não aparece a tese da fé fiducial (fé-confiança, mediante a
qual
o cristão seria salvo), mas ocorre um conceito
equivalente ao da penitência
meramente
subjetiva; a contrição pessoal substituiria a Penitência
sacramental; a
mediação de Igreja
como Sacramento primordial era posta de lado, em benefício de
uma
atitude meramente subjetiva do cristão diante de Deus. A Reforma protestante
se
achava toda em gérmen na atitude e nas teses de Lutero.
39:
A Reforma Protestante (II)
Lutero
de 1517 a 1546
As
teses de Lutero espalharam-se rapidamente pela Alemanha e o estrangeiro,
chegando
até Roma. A Santa Sé mandou o Cardeal Caetano, bom teólogo da época,
a
Augsburgo para ouvir Lutero (12-14/10/1518); não conseguiu, porém, demovê-Io
de
suas posições doutrinárias.
O
brado de revolta de Lutero encontrou ressonância fácil entre os príncipes da
Alemanha,
que tinham antigos ressentimentos contra a Santa Sé por questões
políticas. Também a pequena
nobreza apoiava Lutero, porque da revolução religiosa
esperava
uma revolução social que satisfizesse aos seus
anseios. Entre os protetores
de
Lutero, começou a destacar-se o príncipe Frederico
o Sábio, da Saxônia.
Em
1519 deu-se em Leipzig famosa disputação pública, em que Lutero expôs mais
claramente
sua doutrina: só é verdade religioso aquilo que se pode
provar pela S.
Escritura
(princípio básico do protestantismo); atacou
outrossim o primado do Papa.
-
os ânimos se acendiam cada vez mais mediante panfletos com caricaturas e
sátiras.
Em
1520 (15/06), o Papa Leão X publicou a Bula Exsurge, que
condenava 41
sentenças de Lutero,
ordenava a combustão dos seus escritos e ameaçava Lutero de
excomunhão, caso não se submetesse
dentro de sessenta dias. Em dezembro desse
mesmo
ano o frade queimou a Bula e um livro de Direito Eclesiástico em praça
pública. Em
resposta, o Papa excomungou formalmente Lutero aos 03/01/1521. Este
gesto
do Papa exigia tomada de posição clara da parte dos seguidores do
reformador.
Lutero
interpelava calorosamente os seus compatriotas alemães,
principalmente
mediante
três obras que se tornaram clássicas: o Manifesto à Nobreza Alemã, no
qual
exortava os príncipes a assumir a reforma da
Cristandade, constituindo uma
Igreja
alemã independente; o Cativeiro da Babilônia, que considerava os
sacramentos,
regulamentados pela Igreja, como um cativeiro; só ficariam o Batismo
e
a Ceia, operando pela fé do sujeito; Da Liberdade Cristã, que concebe a
lgreja
como
uma comunidade invisível, da qual só fazem parte os
que vivem da verdadeira
fé.
Em
1521 deu-se a Dieta59 de Worms, à qual Lutero compareceu na presença do
Imperador
Carlos V; recusou retratar-se; pelo que foi condenado à morte. Todavia
Frederico
o Sábio escondeu o frade rebelde no Castelo de Wartburg, onde ficou dez
meses
(maio 1521 - março 1522) sob o pseudônimo de
"Cavaleiro Jorge"; começou
então a tradução da Bíblia para o
alemão a partir dos originais, obra de linguagem
magistral,
traço de união entre os partidários do reformador;
só foi completada em
1534.
No castelo de Wartburg Lutero sofreu crises nervosas assaz violentas, que ele
considerava
como assaltos diabólicos.
Enquanto
Lutero se conservava oculto em Wartburg, a agitação crescia em
Wittenberg;
os clérigos casavam-se; a Missa era substituída pelo rito da Ceia do
Senhor,
em que se recebiam pão e vinho sem confissão previa nem
jejum
eucarístico; as
imagens dos santos eram removidas...Mais: apareceu a corrente dos
anabatistas,
que interpretavam ousadamente o pensamento de Lutero, negando o
batismo
às crianças (já que o Sacramento só é eficaz pela fé de quem o
recebe) e
batizando
de novo os adultos; preconizavam uma "Igreja de Santos", cujos
membros
estariam
em contato direto com o Espírito Santo. Posto a par da confusão, Lutero
deixou
seu esconderijo e voltou a Wittenberg, indo morar no seu antigo convento, já
esvaziado
de frades e doado por Frederico o Sábio a Lutero como residência; ali o
reformador
em 1525 casou-se com Catarina de Bora, monja cisterciense apóstata, e
teve
seus filhos.
Lutero
conseguiu, com o apoio do braço secular, restabelecer a ordem em
Wittenberg.
Mas teve que enfrentar a revolta dos camponeses (1524-25), que,
esmagados
por tributos, valiam-se da proclamação de liberdade feita por Lutero para
reivindicar
sua liberdade frente aos senhores civis e eclesiásticos. Thomas Münzer,
chefe
dos anabatistas, incitava os camponeses a revolta. Lutero hesitou diante dessa
insurreição, mas acabou
optando pela sufocação violenta dos revoltosos; Thomas
Mbnzer
foi decapitado. Esta atitude fez que Lutero perdesse parte da sua
popularidade;
a sua nova "Igreja" não seria de povo e comunidade, mas de príncipes
e
regiões. Os anabatistas mereceriam a adesão das classes mais humildes (são os
Batistas
de nossos tempos).
A
situação religiosa e política fervilhava cada vez mais. Muitas
vozes de reis,
príncipes e nobres
se levantaram, ora para defender, ora para combater Lutero.
Muitos
apregoaram a convocação de um Concílio Ecumênico.
Em
1529 realizou-se uma Dieta em Espira (Alemanha): determinou que não se
fariam
mudanças religiosas nos territórios do país, de modo que
ficaria estabilizada a
onda
de reforma luterana até se reunir um Concílio Ecumênico. Esta
resolução
favorecia,
de certo modo, os católicos, pois os avanços do luteranismo
eram
contínuos. Em conseqüência, seis príncipes e
quatorze cidades imperais, aos
19/04/1529,
protestaram contra a decisão. Este gesto lhes valeu o nome de
"protestantes"
em lugar da expressão viriboni (ou crentes) que eles davam
a si
mesmos.
Os
últimos anos de vida de Lutero foram angustiosos para o reformador por
diversos
motivos:
os aborrecimentos e as decepções se somavam aos achaques corporais;
via
que
se alastravam a indisciplina e a procura de interesses particulares nos territórios
reformados;
os príncipes dominavam as questões religiosas. Lutero depositava suas
esperanpas
num próximo fim de mundo. Em 1543 escreveu
ansioso: "Vinde, Senhor
Jesus,
vinde os males ultrapassaram a medida. é preciso que tudo estoure. Amém".
-
Finalmente morreu aos 18/02/1546 em sua cidade natal de Eisleben.
Após ter jantado
pela última vez, diz uma narração duvidosa, Lutero com giz
escreveu
o verso que outrora compusera em Schmalkalde durante grave
enfermidade:
"Pestis eram vivus; moriens ero mors tua, Papa! - Papa, minha vida
era
a tua peste; minha morte será a tua morte!". Em nossos dias a
animosidade que
Lutero
nutriu para com o Papado e a Igreja, muito se atenuou; têm-se realizado
frutuosas
conversações teológicas entre católicos e
luteranos, que vêm mais e mais
aproximando
os irmãos entre si.
Avaliação da figura de
Lutero
Martinho
Lutero é certamente um dos personagens que mais
influiram no curso da
história moderna não só da Igreja, mas
do mundo. Canalizou idéias que vinham do
fim
da ldade Média: o ocamismo, que dava prioridade à vontade sobre o
intelecto,
originando
um certo antiintelectualismo; o nominalismo, segundo o qual não existem
conceitos
gerais ou noções universais, mas apenas palavras, que
designam
realidades
individuais o subjetivismo, que foi tomando o lugar do objetivismo (ou dos
valores
metafísicos). Lutero foi certamente um homem profundamente religioso,
dotado
de firme confiança em Deus, diligente no trabalho e
desinteressado de si. A
estes
dons, porém, associava-se um temperamento
apaixonado, que podia chegar as
raias
do doentio; uma convicção cega de que tinha recebido de Deus a
missão de um
profeta;
uma propensão à discussão, ao exagero trágico e ao
cinismo. Deixava-se
guiar
pelas emoções mais do que pela razão,
principalmente em matéria teológica -
o
que decorre do princípio luterano de que a fé é alheia à razão. Ele mesmo
dizia que
"nenhuma
obra boa se faz por sabedoria, mas que tudo se realiza como que por uma
espécie de vertigem
ou torpor".
Infelizmente
as boas intenções de Lutero não levaram ao objetivo
almejado, pois
dividiram
os cristãos e geraram um princípio de divisão até hoje fecundo; o
protestantismo
se esfacela em novas e novas comunidades, segundo o princípio
subjetivo
estabelecido por Lutero: cada crente é livre para interpretar a Bíblia como
lhe
pareça, sem dar atenção a instâncias extrínsecas.
Um
dos traços que muito exaltam Lutero aos olhos
dos protestantes alemães, é a
sua
posição na história nacional alemã. Tem-se dito
que Lutero era alemão até a
medula
dos ossos; o seu ódio antipapal correspondia ao ódio anti-romano
e ao
nacionalismo
alemão da época: era alemão também pelo uso
magistral da língua
pátria, da qual a
tradução luterana da Bíblia é um monumento.
As
idéias e o movimento de Lutero tiveram seus ecos fora da Alemanha. Vários
reformadores
surgiram, partindo todos do mesmo princípio: a única fonte de fé é a
Bíblia, lida
independentemente do magistério da Igreja. Entre esses chefes
destacam-se:
Ulrico Zwingli (1484-1531), que pregou em Zürich (Suiça) e cujos
seguidores
sem demora se agregaram ao Calvinismo. Outro reformador notável foi
João Calvino, que
vai apresentado a seguir.
O
Calvinismo
Em
1532 apareceu em Genebra (Suíça Francesa) o pregador francês Guilherme
Farel,
que pregava idéias semelhantes às de Lutero e
deixou a população local em
grande
agitação. Preparava assim o caminho para outro francês: João Calvino
(1509-
64).
Calvino
estudou Direito na França antes de se domiciliar em Genebra.
Era
sistemático,
organizador, mais consciente do alcance de sua obra do que Lutero.
Possuia
enorme capacidade de trabalho e sabia ser coerente até o extremo, não se
deixando
abater por dificuldade alguma; isto o tornou insensível e duro em
relação
aos
seus semelhantes.
Em
1527/8, Calvino, educado na religião católica, passou pela conversão às novas
idéias; tendo-as
professado, caiu sob a perseguição antiprotestante movida pelo
Governo
francês. Emigrou então para Basiléia (Suíça), onde
escreveu sua obra
principal:
Religionis Christianae Institutio, que se opunha fortemente à doutrina
católica relativa
aos dogmas, aos sacramentos e ao culto. De Basiléia, querendo
voltar
à França para breve visita, passou por
Genebra, onde foi detido por Farel, que
Ihe
pediu servisse à igreja local convulsionada. Tendo
acedido, Calvino instaurou em
Genebra
severa disciplina, cerceando a liberdade de consciência e de
conduta dos
cidadãos.
A
oposição em 1538 conseguiu expulsar de Genebra Calvino e Farel; mas, após três
anos
de ausência, voltou aquele, gloriosamente
chamado por representantes da
cidade.
Passou então a desenvolver atividade cada vez mais
intensa como teólogo e
organizador.
A
teologia de Calvino, embora se assemelhe à de Lutero, tem seu ponto
característico no
conceito de Deus. Colocou a ênfase sobre a Majestade e a
Soberania
divinas, a ponto de dizer que há duas predestinações: uma para a
salvação e outra, explícita, para a
condenação eterna; Deus não apenas
permite a
perda
dos pecadores, mas impele-os para o abismo. Deus, segundo consta, proibe o
pecado
a todos, mas na verdade quer que alguns pequem, porque devem ser
condenados.
Calvino, embora propusesse doutrina tão espantadora, sabia atrair
discípulos, pois
afirmava: todo aquele que crê realmente na justificação por Cristo, é
do
número dos predestinados e pode viver tranqüilamente porque
a salvação lhe
está garantida.
Ao
organizar a lgreja, Calvino instituia duas comissões: a Venerável Companhia
de
pastores
e doutores, encarregada do magistério, e o Consistório composto de
pregadores
e doze senadores leigos, que tinha a tarefa de zelar pela disciplina, à
semelhança da Inquisição Medieval:
essa Comissão visitava as casas, servia-se de
denúncias e
espionagem paga; os réus gravemente culpados, se persistissem
no
erro,
eram entregues a um tribunal. Este proferiu, de 1541 a 1546, 58 sentenças de
morte;
a tortura era aplicada com freqüência.
A
população de Genebra teve que se submeter à disciplina
calvinista: as festas
eclesiásticas foram
reduzidas aos domingos; o culto limitou-se à oração, à pregação
e
ao canto de salmos, com a celebração da Santa Ceia quatro vezes por ano. A
vida
social
tomou,um aspecto tristonho, pois foram abolidos o teatro, as danças, o jogo
de
cartas, a pompa das vestes. o espírito calvinista é pessimista; por
isto afastavase
de
tudo o que pudesse ornamentar a natureza humana corrompida pelo pecado.
Calvino
declarou a guerra aos humanistas, que eram os libertinos no plano moral;
Lutero
os aceitara, porque ao menos combatiam o Papado. os calvinistas tornaramse,
em
seus primeiros tempos, inimigos da ciência, da arte e da literatura,
concebendo
uma verdadeira fobia do prazer.
Em
1555 estava consolidada a posição de Calvino como ditador religioso e,
em certo
grau,
politico da "Roma protestante", para onde confluiam fugitivos da França, da
ltália e da
lnglaterra. o reformador fundou uma Academia teológica, cuja direção foi
confiada
ao nobre francês Teodoro de Beza († 1605), o mais
fiel cooperador de
Calvino
e seu sucessor. Neste instituto formaram-se jovens de diversas
nacionalidades,
de modo que se tornou um foco de missões calvinistas. Até a morte
(27/,05/1564)
Calvino exerceu grande influência, tendo sido denominado já por seus
contemporãneos "o
Papa protestante".
Os
calvinistas se propagaram pela França, a Inglaterra, a Escócia, a Holanda,
países
navegadores,
que levaram as novas idéias para as terras orientais e
ocidentais
recém descobertas,
principalmente para a América do Norte. A partir da segunda
metade
do século XVI, foi-lhes dado o nome de "Igreja Reformada", que
se tornou
importante
força no campo da economia, do comércio e da politica respondendo pelo
puritanismo e pelo espírito
de conquista de povos anglo-saxões e germãnicos.
COMPILADO PELO
ESCRITOR MANOELZINHO CONTAGEM MG 17 FEVEREIRO 2014
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