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terça-feira, 22 de julho de 2014

06-Os caminhos historicos da Reforma Protestante

COMENTARIOS BIBLICO HISTORICO 06-Os caminhos historicos da Reforma Protestante

A Reforma protestante, embora amplamente preparada, surgiu na história quase de
repente; parecia tratar-se, a princípio, de uma questão pessoal e puramente
religiosa do frade Martinho Lutero, mas, dado o clima em que ressoou, tomou vastas
proporções eclesiásticas e políticas, que ninguém imaginava. Infelizmente a obra de
Lutero não se tornou aquilo que, havia muito, o povo e os príncipes cristãos
esperavam a renovação da Igreja pela eliminação dos abusos, sem alteração da fé e
da constituição da Igreja; veio a ser uma revolução eclesiástica e um cisma. -
Estudemos os fatos.

Lutero: evolução das idéias
Martinho Lutero nasceu aos 10/11/1483 em Eisleben (Sachsen). Teve infância dura,
sujeita, em casa e na escola, a disciplina severa. A partir de 1501, na Universidade
de Erfurt estudou a filosofia nominalista de occam, com tendência antimetafísica e
relativista; tal sistema dissolvia a harmonia entre a ciência e a fé, pois tinha as
verdades da fé como irracionais ou impenetráveis à razão; a Moral se fundaria
unicamente na livre vontade de Deus.
Certa vez, a caminho da Universidade (02/07/1505), foi quase fulminado por um
raio; em conseqüência, fez o voto de entrar no convento (Hilf, St. Anna, ich will ein
Mönch werden! - Ajuda, StAna, quero tornar-me um monge!). Esta decisão era
fruto do temperamento escrupuloso e pessimista de Lutero, que receava o juízo de,
Deus sobre os seus pecados (Lutero muito se preocupava com a sua fraqueza e os
seus pecados, que o deixavam inquieto).
Em julho de 1505, a revelia do pai e dos amigos, Lutero entrou no convento dos
Agostinianos de Erfurt. Em 1507 foi ordenado presbítero, Em 1510 ou 1511 passou
quatro semanas em Roma, onde conheceu a vida da Cúria e a exuberância das
devoções populares. Isto tudo, porém: no momento não o impressionou muito nem
abalou a sua fidelidade à lgreja. Foi nomeado professor de S. Escritura em
Wittenberg. Vivia, porém, inquieto ao pensar na sua fragilidade moral e nos
insondáveis juízos de Deus; jejuava, praticava vigílias de oração, mas sem conseguir
paz. o contato com as epístolas de S. Paulo (especialmente aos Romanos e aos
Gálatas) foi-lhe oferecendo uma solução: viu que não se devia importar tanto com
aquilo que fazia ou deixava de fazer, e precisava de ficar firme na fé confiança em
Jesus Salvador; afinal, dizia ele, é a fé, e não as obras boas, que salvam o homem.
Este foi totalmente corrompido pelo pecado original e aí pode senão pecar; o livre
arbítrio está vendido ao pecado; não se pode apelar para ele. De resto, a
concupiscência desregrada, que é o próprio pecado, é inextinguível no homem. Só
Ihe resta confiar (ter fé) nos méritos de Cristo, porque ninguém tem mérito próprio.
Quando Deus declara o homem justo ou reto, não Ihe está apagando os pecados,
mas apenas resolve não os imputar, cobrindo-os com o manto da justiça ou da
santidade de Cristo. Lutero baseava-se especialmente em Rm 1,17; GI
3,12.22...textos lidos é luz das obras de S.Agostinho, que se revelara pessimista em
relação a natureza humana; cf. capítulo. 13
Tal doutrina passou a ser o "Evangelho" de Lutero. Implicava autêntica revolução
dentro do Cristianismo. Lutero havia de lhe associar outras teses, a saber: a rejeição
dos sacramentos, do sacerdócio ministerial, do sacrifício da Missa, da hierarquia,
enfim... de tudo aquilo que fazia a vida da lgreja Católica.

As indulgências
Lutero era, pois, professor de S. Escritura em Wittenberg, quando surgiu a questão
das indulgências.
Antes de continuar a história do frade agostiniano, compete-nos explicar o que
sejam indulgências. Observemos o seguinte:
1) Todo pecado acarreta consigo a necessidade da expiação depois de ter sido
perdoado. Com outras palavras:
O pecado não é somente a transgressão de uma lei, mas é a violação de uma ordem
de coisas estabelecida pelo Criador; é sempre um dano infligido tanto ao indivíduo
que peca, como à comunidade dos homens. Por conseguinte, para que haja plena
remissão do pecado, não somente é necessário que o pecador obtenha de Deus o
perdão, mas requer-se também que repare a ordem violada. Assim, por analogia,
quem rouba um relógio violando a ordem da propriedade, não precisa apenas de
pedir perdão a quem foi prejudicado, mas deve também restaurar a ordem ou
devolver o relógio ao respectivo proprietário A reparação da ordem há de ser sempre
dolorosa, pois significa mortificação do velho homem pecador ou das concupiscências
desregradas que o pecado só faz aguçar.
A própria S. Escritura atesta tal doutrina. Por exemplo, Davi recebeu o perdão dos
pecados de homicídio e adultério mas teve que sofrer a pena de perder o filho do
adultério (cf. 2Sm 12,13 s). Moisés e Aarão foram privados de entrar na Terra
prometida, embora a sua culpa Ihes tenha sido perdoada (cf. Nm 20,12; 27,12-14;
Dt 34,4s). Ver também Tb 4,11s; Dn 4,24; JI 2,12s.
2) Consciente disto, a lgreja antiga ministrava a reconciliação dos pecadores em
duas fases. Sim, o pecador confessava seus pecados a um ministro de Deus. Este
não o absolvia imediatamente (cf. Jo 20,20-22), mas impunha-lhe uma satisfação
adequada, correspondente é gravidade das suas faltas; este exercício de penitência
devia proporcionar ao cristão o domínio sobre si, a vitória sobre as paixões e a
liberdade interior. A satisfação assim imposta, pode ser realmente medicinal,
costumava ser penosa: assim, por exemplo, uma quaresma de jejum, em que o
penitente se vestia de peles de animais (para praticar tal penitência, o cristão tinha
que excitar dentro de si um vivo amor a Deus e um profundo horror do pecado).
Somente depois de terminar a respectiva satisfação, era o pecador absolvido.
Julgava-se então que estava isento não apenas da culpa, mas também de toda
expiação devida aos seus pecados; estaria livre não só da culpa do pecado, mas
também das raízes e das conseqüências deste.
Esta prática penitencial conservou-se até fins do século VI. Tornou-se, porém,
insustentável, pois exigia especiais condições de saúde e acarretava conseqüências
perigosas para todo o resto da vida de quem a ela se submetera. Eis por que aos
poucos foi sendo modificada.
3) No século IX a Igreja julgou oportuno substituir certas obras penitenciais muito
rigorosas por outras mais brandas; a estas a Igreja associava os méritos
satisfatórios de Cristo, num gesto de indulgência. Tais obras foram chamadas "obras
indulgenciadas", porque enriquecidas de indulgências: podiam ser assim
indulgenciadas orações, esmolas, peregrinações...
Está claro, porém, que estas obras mais brandas enriquecidas pelos méritos de
Cristo só tinham valor satisfatório se fossem praticadas com as disposições interiores
que animavam os penitentes da lgreja antiga a prestar uma quarentena de jejum ou
outras obras rigorosas. Não bastava, pois, rezar uma oração ou dar uma esmola
para se libertar das conseqüências do pecado, mas era preciso fazê-Io com o amor a
Deus e o repúdio ao pecado que encorajavam os penitentes da Igreja Antiga. Vê-se,
pois, que era e é muito difícil ganhar indulgências.
Mais: ninguém podia (ou pode) ganhar indulgência sem que tivesse (ou tenha)
anteriormente confessado as suas faltas e houvesse (ou haja) recebido o perdão das
mesmas. A instituição das indulgências não tinha em vista apagar os pecados, mas
contribuir (mediante a provocação de um ato de grande amor) para eliminar as
conseqüências ou os resquícios do pecado.
Por conseguinte, a Igreja nunca vendeu o perdão dos pecados nem vendeu
indulgências. o perdão dos pecados sempre foi pré-requisito para as indulgências.
Quando a Igreja indulgenciava a prática de esmolas, não tencionava dizer que o
dinheiro produz efeitos mágicos, mas queria apenas estimular a caridade ou as
disposições íntimas do cristão para que conseguisse libertar-se das escórias
remanescentes do pecado. Não há dúvida, porém, de que pregadores populares e
muitos fiéis cristãos dos séculos XV e XVI usaram de linguagem inadequada ou
errônea ao falar de indulgências. Foi o que deu ocasião aos protestos de Lutero e dos
reformadores.
4) As indulgências podem ser adquiridas também em favor das almas do purgatório.
Estas precisam de se libertar das escórias dos pecados com as quais deixaram a vida
presente; para tanto, necessitam da grata de Deus, que os fiéis viventes neste
mundo podem solicitar mediante a prática de boas obras indulgenciadas. Todos os
fiéis que foram enxertados em Cristo pelo Batismo e vivem em plena comunhão com
a Igreja, constituem uma grande família, solidária e unida em si pela caridade. Em
conseqüência, os méritos de uns redundam em benefício de outros; os atos
satisfatórios que as almas retas prestam a Deus, podem auxiliar a outros cristãos,
que precisem de expiar, seja aqui na terra, seja no purgatório. Em outros termos:
pelas nossas preces, pelas nossas boas obras e pelos nossos atos de mortificação,
unidos aos méritos de Cristo, podemos ser úteis não só a nós mesmos, mas também
aos nossos irmãos, que devem prestar satisfação a Deus por seus pecados. esta
solidariedade que se chama "Comunhão dos Santos". Esta expressão designa a
comunhão de bens espirituais ou de coisas santas segundo a qual vivem os filhos da
Igreja. "Uma alma que se eleva (que se enriquece de Deus), eleva o mundo inteiro"
(Elizabeth Leseur).
Eis como se deve entender a prática das indulgências, até hoje recomendada pela S.
Igreja, mas freqüentemente mal entendida.
Lutero e as indulgências
Voltemos agora à história de Lutero.
A fim de custear a construção da nova basílica de S. Pedro em Roma, Júlio II em
1507 e Leão X em 1514 promulgaram indulgência plenária para qualquer cristão que
recebesse os sacramentos e desse esmola. Foi nomeado Comissário da indulgência
para grande parte da Alemanha em 1515 o jovem príncipe Alberto de Brandenburgo,
desde 1513 arcebispo de Magdeburgo e administrador do bispado de Halberstadt,
desde 1514 também arcebispo de Mogúncia. Alberto era homem frívolo e mundano;
contraíra uma dívida de 29.000 florins com os banqueiros Fugger de Augsburgo a fim
de pagar as taxas de vidas à Santa Sé por estar acumulando três bispados; então,
de acordo com os representantes papais, resolveu que metade das esmolas
indulgenciadas ficaria para a construção da basílica de São Pedro, enquanto a outra
metade serviria para saldar a dívida junto aos banqueiros.
Ora na Alemanha já reinava prevenção contra as indulgências por causa de abusos
de oficiais eclesiásticos. O pregador de indulgências nomeado por Alberto, o
dominicano João Tetzel, incorria também ele nesses abusos: afirmava que, para
adquirir a indulgência em favor dos defuntos, bastava a esmola sem o estado de
graça do doador (o que era errôneo). Quando, certa vez, Tetzel perto de Wittenberg
pregava, Lutero resolveu insurgir-se contra o pregador: na tarde de 31/10/1517, à
porta da igreja de Wittenberg afixou, conforme o costume das disputas acadêmicas,
uma lista de 95 teses em latim sobre as indulgências e pontos conexos (a culpa, a
pena, a penitência, o purgatório, o primado papal). A intenção de Lutero era apenas
a de combater abusos e por em clara luz a doutrina ortodoxa; na realidade, porém,
as suas teses significavam a rejeição não somente das indulgências, mas também do
ministério da lgreja em prol da salvação dos homens. Entre outras coisas, o frade
agostiniano afirmava:
1) o Papa só pode perdoar penas que ele mesmo, conforme o seu juízo ou conforme
as leis eclesiásticas, tenha imposto (tese 5);
2) as indulgências não podem ser aplicadas às almas no purgatório (tese 8 a 29);
3) a verdadeira contrição, sem decreto de indulgências, confere ao cristão plena
remissão do pecado e da culpa (teses 36 e 37);
4) à Igreja hierárquica, na remissão das culpas, toca apenas uma função
declaratória, isto é, a Igreja apenas pode reconhecer que o penitente já foi
diretamente perdoado por Deus no seu íntimo em virtude do seu arrependimento;
Ela não transmite o perdão de Deus (teses 6 e 7);
5) Lutero negava o tesouro de graças de Cristo e dos Santos (o assim chamado
"tesouro da lgreja"), que é o pressuposto da doutrina das indulgências (tese 58).
Nesta lista de Wittenberg, não aparece a tese da fé fiducial (fé-confiança, mediante a
qual o cristão seria salvo), mas ocorre um conceito equivalente ao da penitência
meramente subjetiva; a contrição pessoal substituiria a Penitência sacramental; a
mediação de Igreja como Sacramento primordial era posta de lado, em benefício de
uma atitude meramente subjetiva do cristão diante de Deus. A Reforma protestante
se achava toda em gérmen na atitude e nas teses de Lutero.
39: A Reforma Protestante (II)
Lutero de 1517 a 1546
As teses de Lutero espalharam-se rapidamente pela Alemanha e o estrangeiro,
chegando até Roma. A Santa Sé mandou o Cardeal Caetano, bom teólogo da época,
a Augsburgo para ouvir Lutero (12-14/10/1518); não conseguiu, porém, demovê-Io
de suas posições doutrinárias.
O brado de revolta de Lutero encontrou ressonância fácil entre os príncipes da
Alemanha, que tinham antigos ressentimentos contra a Santa Sé por questões
políticas. Também a pequena nobreza apoiava Lutero, porque da revolução religiosa
esperava uma revolução social que satisfizesse aos seus anseios. Entre os protetores
de Lutero, começou a destacar-se o príncipe Frederico o Sábio, da Saxônia.
Em 1519 deu-se em Leipzig famosa disputação pública, em que Lutero expôs mais
claramente sua doutrina: só é verdade religioso aquilo que se pode provar pela S.
Escritura (princípio básico do protestantismo); atacou outrossim o primado do Papa.
- os ânimos se acendiam cada vez mais mediante panfletos com caricaturas e
sátiras.
Em 1520 (15/06), o Papa Leão X publicou a Bula Exsurge, que condenava 41
sentenças de Lutero, ordenava a combustão dos seus escritos e ameaçava Lutero de
excomunhão, caso não se submetesse dentro de sessenta dias. Em dezembro desse
mesmo ano o frade queimou a Bula e um livro de Direito Eclesiástico em praça
pública. Em resposta, o Papa excomungou formalmente Lutero aos 03/01/1521. Este
gesto do Papa exigia tomada de posição clara da parte dos seguidores do
reformador.
Lutero interpelava calorosamente os seus compatriotas alemães, principalmente
mediante três obras que se tornaram clássicas: o Manifesto à Nobreza Alemã, no
qual exortava os príncipes a assumir a reforma da Cristandade, constituindo uma
Igreja alemã independente; o Cativeiro da Babilônia, que considerava os
sacramentos, regulamentados pela Igreja, como um cativeiro; só ficariam o Batismo
e a Ceia, operando pela fé do sujeito; Da Liberdade Cristã, que concebe a lgreja
como uma comunidade invisível, da qual só fazem parte os que vivem da verdadeira
fé.
Em 1521 deu-se a Dieta59 de Worms, à qual Lutero compareceu na presença do
Imperador Carlos V; recusou retratar-se; pelo que foi condenado à morte. Todavia
Frederico o Sábio escondeu o frade rebelde no Castelo de Wartburg, onde ficou dez
meses (maio 1521 - março 1522) sob o pseudônimo de "Cavaleiro Jorge"; começou
então a tradução da Bíblia para o alemão a partir dos originais, obra de linguagem
magistral, traço de união entre os partidários do reformador; só foi completada em
1534. No castelo de Wartburg Lutero sofreu crises nervosas assaz violentas, que ele
considerava como assaltos diabólicos.
Enquanto Lutero se conservava oculto em Wartburg, a agitação crescia em
Wittenberg; os clérigos casavam-se; a Missa era substituída pelo rito da Ceia do
Senhor, em que se recebiam pão e vinho sem confissão previa nem jejum
eucarístico; as imagens dos santos eram removidas...Mais: apareceu a corrente dos
anabatistas, que interpretavam ousadamente o pensamento de Lutero, negando o
batismo às crianças (já que o Sacramento só é eficaz pela fé de quem o recebe) e
batizando de novo os adultos; preconizavam uma "Igreja de Santos", cujos membros
estariam em contato direto com o Espírito Santo. Posto a par da confusão, Lutero
deixou seu esconderijo e voltou a Wittenberg, indo morar no seu antigo convento, já
esvaziado de frades e doado por Frederico o Sábio a Lutero como residência; ali o
reformador em 1525 casou-se com Catarina de Bora, monja cisterciense apóstata, e
teve seus filhos.
Lutero conseguiu, com o apoio do braço secular, restabelecer a ordem em
Wittenberg. Mas teve que enfrentar a revolta dos camponeses (1524-25), que,
esmagados por tributos, valiam-se da proclamação de liberdade feita por Lutero para
reivindicar sua liberdade frente aos senhores civis e eclesiásticos. Thomas Münzer,
chefe dos anabatistas, incitava os camponeses a revolta. Lutero hesitou diante dessa
insurreição, mas acabou optando pela sufocação violenta dos revoltosos; Thomas
Mbnzer foi decapitado. Esta atitude fez que Lutero perdesse parte da sua
popularidade; a sua nova "Igreja" não seria de povo e comunidade, mas de príncipes
e regiões. Os anabatistas mereceriam a adesão das classes mais humildes (são os
Batistas de nossos tempos).
A situação religiosa e política fervilhava cada vez mais. Muitas vozes de reis,
príncipes e nobres se levantaram, ora para defender, ora para combater Lutero.
Muitos apregoaram a convocação de um Concílio Ecumênico.
Em 1529 realizou-se uma Dieta em Espira (Alemanha): determinou que não se
fariam mudanças religiosas nos territórios do país, de modo que ficaria estabilizada a
onda de reforma luterana até se reunir um Concílio Ecumênico. Esta resolução
favorecia, de certo modo, os católicos, pois os avanços do luteranismo eram
contínuos. Em conseqüência, seis príncipes e quatorze cidades imperais, aos
19/04/1529, protestaram contra a decisão. Este gesto lhes valeu o nome de
"protestantes" em lugar da expressão viriboni (ou crentes) que eles davam a si
mesmos.
Os últimos anos de vida de Lutero foram angustiosos para o reformador por diversos
motivos: os aborrecimentos e as decepções se somavam aos achaques corporais; via
que se alastravam a indisciplina e a procura de interesses particulares nos territórios
reformados; os príncipes dominavam as questões religiosas. Lutero depositava suas
esperanpas num próximo fim de mundo. Em 1543 escreveu ansioso: "Vinde, Senhor
Jesus, vinde os males ultrapassaram a medida. é preciso que tudo estoure. Amém".
- Finalmente morreu aos 18/02/1546 em sua cidade natal de Eisleben.
Após ter jantado pela última vez, diz uma narração duvidosa, Lutero com giz
escreveu o verso que outrora compusera em Schmalkalde durante grave
enfermidade: "Pestis eram vivus; moriens ero mors tua, Papa! - Papa, minha vida
era a tua peste; minha morte será a tua morte!". Em nossos dias a animosidade que
Lutero nutriu para com o Papado e a Igreja, muito se atenuou; têm-se realizado
frutuosas conversações teológicas entre católicos e luteranos, que vêm mais e mais
aproximando os irmãos entre si.
Avaliação da figura de Lutero
Martinho Lutero é certamente um dos personagens que mais influiram no curso da
história moderna não só da Igreja, mas do mundo. Canalizou idéias que vinham do
fim da ldade Média: o ocamismo, que dava prioridade à vontade sobre o intelecto,
originando um certo antiintelectualismo; o nominalismo, segundo o qual não existem
conceitos gerais ou noções universais, mas apenas palavras, que designam
realidades individuais o subjetivismo, que foi tomando o lugar do objetivismo (ou dos
valores metafísicos). Lutero foi certamente um homem profundamente religioso,
dotado de firme confiança em Deus, diligente no trabalho e desinteressado de si. A
estes dons, porém, associava-se um temperamento apaixonado, que podia chegar as
raias do doentio; uma convicção cega de que tinha recebido de Deus a missão de um
profeta; uma propensão à discussão, ao exagero trágico e ao cinismo. Deixava-se
guiar pelas emoções mais do que pela razão, principalmente em matéria teológica -
o que decorre do princípio luterano de que a fé é alheia à razão. Ele mesmo dizia que
"nenhuma obra boa se faz por sabedoria, mas que tudo se realiza como que por uma
espécie de vertigem ou torpor".
Infelizmente as boas intenções de Lutero não levaram ao objetivo almejado, pois
dividiram os cristãos e geraram um princípio de divisão até hoje fecundo; o
protestantismo se esfacela em novas e novas comunidades, segundo o princípio
subjetivo estabelecido por Lutero: cada crente é livre para interpretar a Bíblia como
lhe pareça, sem dar atenção a instâncias extrínsecas.
Um dos traços que muito exaltam Lutero aos olhos dos protestantes alemães, é a
sua posição na história nacional alemã. Tem-se dito que Lutero era alemão até a
medula dos ossos; o seu ódio antipapal correspondia ao ódio anti-romano e ao
nacionalismo alemão da época: era alemão também pelo uso magistral da língua
pátria, da qual a tradução luterana da Bíblia é um monumento.
As idéias e o movimento de Lutero tiveram seus ecos fora da Alemanha. Vários
reformadores surgiram, partindo todos do mesmo princípio: a única fonte de fé é a
Bíblia, lida independentemente do magistério da Igreja. Entre esses chefes
destacam-se: Ulrico Zwingli (1484-1531), que pregou em Zürich (Suiça) e cujos
seguidores sem demora se agregaram ao Calvinismo. Outro reformador notável foi
João Calvino, que vai apresentado a seguir.
O Calvinismo
Em 1532 apareceu em Genebra (Suíça Francesa) o pregador francês Guilherme
Farel, que pregava idéias semelhantes às de Lutero e deixou a população local em
grande agitação. Preparava assim o caminho para outro francês: João Calvino (1509-
64).
Calvino estudou Direito na França antes de se domiciliar em Genebra. Era
sistemático, organizador, mais consciente do alcance de sua obra do que Lutero.
Possuia enorme capacidade de trabalho e sabia ser coerente até o extremo, não se
deixando abater por dificuldade alguma; isto o tornou insensível e duro em relação
aos seus semelhantes.
Em 1527/8, Calvino, educado na religião católica, passou pela conversão às novas
idéias; tendo-as professado, caiu sob a perseguição antiprotestante movida pelo
Governo francês. Emigrou então para Basiléia (Suíça), onde escreveu sua obra
principal: Religionis Christianae Institutio, que se opunha fortemente à doutrina
católica relativa aos dogmas, aos sacramentos e ao culto. De Basiléia, querendo
voltar à França para breve visita, passou por Genebra, onde foi detido por Farel, que
Ihe pediu servisse à igreja local convulsionada. Tendo acedido, Calvino instaurou em
Genebra severa disciplina, cerceando a liberdade de consciência e de conduta dos
cidadãos.
A oposição em 1538 conseguiu expulsar de Genebra Calvino e Farel; mas, após três
anos de ausência, voltou aquele, gloriosamente chamado por representantes da
cidade. Passou então a desenvolver atividade cada vez mais intensa como teólogo e
organizador.
A teologia de Calvino, embora se assemelhe à de Lutero, tem seu ponto
característico no conceito de Deus. Colocou a ênfase sobre a Majestade e a
Soberania divinas, a ponto de dizer que há duas predestinações: uma para a
salvação e outra, explícita, para a condenação eterna; Deus não apenas permite a
perda dos pecadores, mas impele-os para o abismo. Deus, segundo consta, proibe o
pecado a todos, mas na verdade quer que alguns pequem, porque devem ser
condenados. Calvino, embora propusesse doutrina tão espantadora, sabia atrair
discípulos, pois afirmava: todo aquele que crê realmente na justificação por Cristo, é
do número dos predestinados e pode viver tranqüilamente porque a salvação lhe
está garantida.
Ao organizar a lgreja, Calvino instituia duas comissões: a Venerável Companhia de
pastores e doutores, encarregada do magistério, e o Consistório composto de
pregadores e doze senadores leigos, que tinha a tarefa de zelar pela disciplina, à
semelhança da Inquisição Medieval: essa Comissão visitava as casas, servia-se de
denúncias e espionagem paga; os réus gravemente culpados, se persistissem no
erro, eram entregues a um tribunal. Este proferiu, de 1541 a 1546, 58 sentenças de
morte; a tortura era aplicada com freqüência.
A população de Genebra teve que se submeter à disciplina calvinista: as festas
eclesiásticas foram reduzidas aos domingos; o culto limitou-se à oração, à pregação
e ao canto de salmos, com a celebração da Santa Ceia quatro vezes por ano. A vida
social tomou,um aspecto tristonho, pois foram abolidos o teatro, as danças, o jogo
de cartas, a pompa das vestes. o espírito calvinista é pessimista; por isto afastavase
de tudo o que pudesse ornamentar a natureza humana corrompida pelo pecado.
Calvino declarou a guerra aos humanistas, que eram os libertinos no plano moral;
Lutero os aceitara, porque ao menos combatiam o Papado. os calvinistas tornaramse,
em seus primeiros tempos, inimigos da ciência, da arte e da literatura,
concebendo uma verdadeira fobia do prazer.
Em 1555 estava consolidada a posição de Calvino como ditador religioso e, em certo
grau, politico da "Roma protestante", para onde confluiam fugitivos da França, da
ltália e da lnglaterra. o reformador fundou uma Academia teológica, cuja direção foi
confiada ao nobre francês Teodoro de Beza (1605), o mais fiel cooperador de
Calvino e seu sucessor. Neste instituto formaram-se jovens de diversas
nacionalidades, de modo que se tornou um foco de missões calvinistas. Até a morte
(27/,05/1564) Calvino exerceu grande influência, tendo sido denominado já por seus
contemporãneos "o Papa protestante".
Os calvinistas se propagaram pela França, a Inglaterra, a Escócia, a Holanda, países
navegadores, que levaram as novas idéias para as terras orientais e ocidentais
recém descobertas, principalmente para a América do Norte. A partir da segunda
metade do século XVI, foi-lhes dado o nome de "Igreja Reformada", que se tornou
importante força no campo da economia, do comércio e da politica respondendo pelo
puritanismo e pelo espírito de conquista de povos anglo-saxões e germãnicos.

COMPILADO PELO ESCRITOR MANOELZINHO CONTAGEM MG 17 FEVEREIRO 2014


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